Representações espaciais e geografia: da paisagem como objectivo às lógicas espaciais e modificações do território 
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1997-01-01
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As representações espaciais são o cerne da Geografia desde que se deram os primeiros passos para a elaboração da cartografia. Os
mapas, elaborados primeiro para se aperceber os contornos do mundo
e, depois, para representar situações regionais ou locais, constituíram
sempre um instrumento e uma técnica da geografia aplicada em diferentes
contextos es paciais, tendo em vista as formas de ocupação e os
limites do território, a organização da cidade ou os modos de implantação
no espaço de pequenas comunidades humanas. Conhecida e
representada a distribuição, associação e conexão do s factos físicos e
humanos à superfície da Terra, o estudo da Geografia orientou-se para
a sistematização dos conhecimentos sendo a observação no terreno o
princípio metodológico primordial. Houve oscilações sucessivas
quanto à escala de análise prioritária -geral , regional ou local? - e
quanto à predominância dos princípios metodológicos - relevância dos
estudos empíricos ou dos sistemas e teorias?
mapas, elaborados primeiro para se aperceber os contornos do mundo
e, depois, para representar situações regionais ou locais, constituíram
sempre um instrumento e uma técnica da geografia aplicada em diferentes
contextos es paciais, tendo em vista as formas de ocupação e os
limites do território, a organização da cidade ou os modos de implantação
no espaço de pequenas comunidades humanas. Conhecida e
representada a distribuição, associação e conexão do s factos físicos e
humanos à superfície da Terra, o estudo da Geografia orientou-se para
a sistematização dos conhecimentos sendo a observação no terreno o
princípio metodológico primordial. Houve oscilações sucessivas
quanto à escala de análise prioritária -geral , regional ou local? - e
quanto à predominância dos princípios metodológicos - relevância dos
estudos empíricos ou dos sistemas e teorias?
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REPRESENTAES ESPACIAIS EM GEOGRAFIA:
DA PAISAGEM COMO OBJECTIVO,S LGICAS
ESPACIAIS E MODIFICAES DO TERRITRIO
Paula Bordalo Lema
As representaes espaciais so o cerne da Geografia desde que se deram os primeiros passos para a elaborao da cartografia. Os mapas, elaborados primeiro para se aperceber os contornos do mundo e, depois, para representar situaes regionais ou locais, constituram sempre um instrumento e uma tcnica da geografia aplicada em dife rentes contextos espaciais, tendo em vista as formas de ocupao e os limites do territrio, a organizao da cidade ou os modos de implan tao no espao de pequenas comunidades humanas. Conhecida e
representada a distribuio, associao e conexo dos factos fsicos e humanos superfcie da Terra, o estudo da Geografia orientou-se para a sistematizao dos conhecimentos sendo a observao no terreno o princpio metodolgico primordial. Houve oscilaes sucessivas quanto escala de anlise prioritria - geral, regional ou local?
- e
quanto predominncia dos princpios metodolgicos - relevncia dos estudos empricos ou dos sistemas e teorias? A Geografia oscilou entre a primazia atribuda ao objectivo ou ao subjectivo, ao geral ou ao particular, influncia positivista ou espiritualista e humanista, ao significado do colectivo ou do individual e singular, explicao estruturalista ou noo de especificidade de contextos localizados e circunscritos, entre a explicao e a compreenso. Incidindo na aco do homem sobre a Terra, na relao entre a Sociedade e o Espao,
Revista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n." 10, Lisboa, Edies Colibri, 1997,
pp. 97-119.
O Conceito de Representao
atendeu interferncia de diferentes perspectivas. Com a organizao do espao, constituem-se as relaes sociais, cada vez mais complexas; porm, elas so constrangidas atravs do espao, quer pela inrcia que persiste ao longo do tempo, do "espao construdo" herdado, (built environment), quer por limitaes impostas pelos riscos naturais; contudo, so tambm mediatizadas atravs do espao pelas representa es espaciais, individuais e colectivas, articulando-se diferentes lgi cas espaciais com distinto tipo de impacto nas transformaes do ter ritrio. Desde a institucionalizao da Geografia moderna, muitas cor rentes contriburam para a questo da representao espacial mas o percurso no foi linear, destacando-se afirmaes e reaces, diferen tes tendncias e alternativas.
1. A Geografia das Relaes Espaciais entre a Natureza e a Sociedade
1.1, A Paisagem como objectivo da Geografia, com significado de representao do espao. Humboldt marcou a institucionalizao da Geografia como cincia que ganha um novo impulso em meados do sculo XIX. Demarcou-se, de facto, das tendncias anteriores que a reduziam a relatos empricos de factos observados em viagens por percursos desconhecidos ou a descries de povoados atendendo aos modos de habitar e de viver, s formas de construir e de edificar sobre a superfcie da Terra, sob condies naturais rigorosas nuns casos ou favorveis noutros casos.
Humboldt preocupou-se com as relaes entre fenmenos e fac tos visveis superfcie da Terra, destacou o princpio da integrao e conexo e acentuou a ideia de harmonia da natureza pelas relaes entre os diferentes fenmenos, que se deveria inculcar na Humanida de, desenvolvendo uma concepo muito distinta da vigente no sculo XVIII.
Salientou a importncia da paisagem que era mais do que um conjunto de aspectos visveis mas, de facto, uma representao do espao. Realou o gozo esttico da paisagem e, sem referir explicita mente a importncia da percepo, destacava como carcter funda mental da paisagem a "simultaneidade de ideias, de sentimentos, de emoes que suscitam no observador" (H. CAPEL, 1981).
Humboldt revela uma sensibilidade perante a paisagem que era corrente nos naturalistas da poca. O sentido da natureza e da paisa gem reflecte-se em toda a sua obra, preocupando-se com a relao entre as grandes estruturas fsicas e as actividades humanas e, por
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Representaes Espaciais em Geografia
exemplo, com a influncia da natureza sobre a sade humana, pro clamando a esperana de que se chegar a esclarecer "as conexes entre o mundo material e o caracter moral e pessoal" (H. CAPEL, 1981, p. 15).
Viajante incansvel atravs de muitos continentes, em especial a Amrica Central e Sul, interessou-se pelo clima e sua influncia sobre os seres humanos organizados, o aspecto e estrutura da paisagem, variada segundo a natureza do solo e do seu manto vegetal, a direco das serras e dos rios que separavam as comunidades humanas; salien tou "o reflexo das modificaes da paisagem nos povos e nas circuns tncias mais ou menos favorveis para o desenvolvimento das suas faculdades" (H. CAPEL, 1981). assim realada a paisagem como representao do espao e a noo de que interagem o complexo de fenmenos fsicos e os factos devidos presena de comunidades humanas, realizados no s com objectivos de organizao mas tam bm movidos por sentimentos, ideias, percepes, individuais ou colectivas, e faculdades.
O gozo da natureza no impediu a forte conscincia que tinha das condies de pobreza e injustia social que evidenciavam os povos estabelecidos num quadro natural "estruturado pela conexo harmo niosa dos fenmenos fsicos": "a vida do campo perde o seu atractivo quando inseparvel do aspecto de infelicidade da nossa espcie" (H. CAPEL, 1981, p. 16).
A sua obra fundamental que foi publicada em vrios volumes a partir de 1845, Cosmos, trata do "conhecimento da conexo que existe entre as foras da natureza e o sentimento ntimo da sua mtua depen dncia". Na Introduo atende diversidade da natureza e ao gozo que ela suscita e, a seguir, ao estudo das leis do Universo; considera, depois, as distintas etapas da configurao da imagem do Cosmos (Vol. II, 1847): primeiro, o reflexo do mundo exterior na imaginao do homem, em que estuda como os homens representam a natureza e os efeitos na sua imaginao, analisando para isso descries da pai sagem feitas por diferentes escritores e a influncia da pintura da paisagem no estudo da natureza. Busca neste volume "a expresso do sentimento da Natureza entre os povos da antiguidade clssica e entre as naes modernas" (H. CAPEL, 1981, p. 28).
Humboldt reconhecido como um autntico precedente da "moderna geografia da percepo", "escrevendo magnficas pginas sobre essas geografias pessoais e sobre essas imagens mentais que s vezes fundam as suas razes no mito e na lenda" (H. CAPEL, 1981,
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p. 28): "existe, ao lado do mundo real ou exterior, um mundo ideal ou interior, cheio de mitos fantsticos e, algumas vezes, simblicos e de formas cujas partes heterogneas foram tomadas do mundo actual ou dos restos de geraes extintas" (COSMOS, Vol. III, 1874, p. 7).
1.2. A analogia com as Cincias Naturais sob a influncia do Positi vismo e do Evolucionismo. O Positivismo que se desenvolveu na
Europa em meados do sculo XIX veio, a seguir, influenciar o pensa mento de mestres relevantes da Geografia, sobrepondo-se tambm o impacto do evolucionismo e mais concretamente da obra de Darwin e dos primeiros criadores da ecologia biolgica.
O Positivismo, aliado a uma posio naturalista, elegeu as cin cias da natureza como modelo de todo o conhecimento cientfico que derivava logicamente da concepo monista do mundo.
A imaginao perde a sua antiga supremacia, subordinada agora observao: as conexes naturais entre os fenmenos dominam o
pensamento positivista, assim como a determinao de leis a partir das relaes constantes que existem entre os fenmenos observados.
O monismo positivista ope-se ao dualismo de origem cartesiana que admitia a distino entre o mundo fsico e o moral, e mais direc tamente ao dualismo kantiano; o monismo de base materialista reco nhecia uma s realidade natural em que o mundo fsico e o psquico so duas faces ou manifestaes distintas da mesma realidade.
A difuso do organicismo de base biolgica foi alargada com o triunfo do evolucionismo, que foi uma "revoluo copernicana" no sculo XIX propondo o abandono definitivo da concepo esttica do mundo e sua substituio por outra dinmica; estas ideias tinham-se esboado lentamente desde o sculo XVIII em que por influncias de Enciclopedistas como Diderot se realou a grande potncia criadora da vida, o seu poder de transformao que envolve os prprios seres humanos na escala do tempo que nada detm; passaram a ter uma longa difuso quando a concepo evolucionista se afirma, tanto na geologia como na astronomia, e tiveram uma rpida expanso com a publicao da Origem das Espcies (1859) de Charles Darwin (1809- -1882).
Na segunda metade do sculo XIX a afirmao do carcter cientfico da Geografia foi intensamente modelada pelas concepes positivistas e evolucionistas. Friedrich Ratzel (1844-1904) foi o primei ro gegrafo que aderiu s contribuies do evolucionismo biolgico e da organizao ecolgica, preocupando-se com as relaes entre os
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Representaes Espaciais em Geografia
distintos organismos vivos e entre estes organismos, incluindo o homem, e o meio ambiente que tinha uma influencia dominante, prin cipalmente nas organizaes com caracter mais elementar.
O gegrafo que apresentou ideias muito especficas e singulares de tendncia evolucionista foi J.J. Elise Reclus (1868-1905). Reala a forte interferncia da aco do homem e da sociedade, avaliando-a tomando como modelo a noo de equilbrio da natureza; atende natureza como referncia, exemplo e modelo para a anlise da organi zao (anarquista) da sociedade, destacando deste modo as dimenses de harmonia, cooperao e simbiose, em vez das tipicamente darwinis- tas de competio, seleco c luta pela vida. A obra de E. Reclus no teve continuidade imediata por falta de discpulos; nela se faz referncia, pela primeira vez, Geografia Social e, por isso, constitui um marco fundamental na Geografia que por princpio essencial questionou sempre a relao entre a Natureza e a Sociedade, pendendo cada vez mais para a perspectiva social no s atravs das actividades humanas, como das representaes e comportamentos em relao ao espao e natureza.
1.3. A intencionalidade humana, a contingncia e o Possibilismo na compreenso da Geografia. Nos finais do sculo XIX e princpios do sculo XX evidencia-se uma forte crise das concepes positivistas e o desenvolvimento de correntes neo-kantianas, espiritualistas e con- tingentistas. O abandono do monismo positivista corresponde a admi tir novamente o dualismo cartesiano e mais especificamente kantiano. A posio kantiana entre natureza e histria supe tambm a aceitao de correntes espiritualistas, em oposio ao materialismo, admitindo-se que a apreenso da realidade s possvel atravs da conscincia e da experincia. O "Historicismo" alcana um grande desenvolvimento como uma das mais importantes correntes da atitude autipositivista. Era aceitvel considerar a Geografia como uma cincia do singular, integrando-se no pensamento kantiano que tinha frisado a individualizao "das coisas de acordo com a sua localizao sobre a Terra" e o papel da "descrio geogrfica da natureza mostrando onde aparecem na Terra". "A Histria e a Geografia eram denominadas como uma descrio, com a diferena de que a primeira uma descri o segundo o tempo e a segunda uma descrio segundo o espao" (Kant: Physische Geographie, Ed. F.T. Rink, 1802). Considerou-se assim, ser essencial Geografia uma ptica corolgica que permite descrever e interpretar a inter-relao dos fenmenos, sua diferencia-
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O Conceito de Representao
o e variao superfcie da Terra, destacando-se de outras concep es de geografia, como a geografia geral que incidia na anlise da superfcie terrestre ou no estudo das relaes homem-meio. Admite- -se, no entanto, uma forte relao entre "geografia geral e a descrio de lugares particulares ou das paisagens", segundo A. Hettner (1927) que numa ambiciosa obra de conjunto (Vergleichende Lnderkunde, Leipzig, Berlim, 1933-35) estabelece uma ponte entre os quadros romnticos da natureza traados por Humboldt e a nova geografia da paisagem que comeava a despontar.
Em Frana o Historicismo influenciou uma noo de geografia proclamada por Vidal de La Blache (1845-1918) que foi a figura cen tral da formao da escola geogrfica francesa, reforada com a ascenso a Professor da Escola Normal Superior de Paris em 1 878 e ctedra de Geografia na Sorbonne em 1898, de modo que foram mui tos os seus discpulos por vrios decnios e extensa a sua influncia tanto a nvel nacional como internacional. O princpio da "contingn cia em tudo o que se refere ao homem" e a noo de liberdade humana em relao ao meio so a base do "Possibilismo" frisado por V. La Blache em 1903, segundo o qual o homem utiliza as possibilidades que a natureza oferece de acordo com as suas necessidades e depois de uma deciso livre e conscientemente tomada; ao realar a intencio nalidade humana, destaca ao mesmo tempo a capacidade de transfor mao da paisagem. Considerando como campo de estudo tradicional da Geografia a superfcie terrestre, V. La Blache expressou a noo de "meio (milieu)", significando no s o grau de adaptao mas tam bm a capacidade de transformao forjada pelos grupos humanos. A observao e o trabalho de campo constituam a base do estudo geo grfico, apreendendo o espao na sua totalidade, recorrendo a facul dades mesmo ditas no racionais mas muito importantes como a intui o; o objecto era a realidade percepcionada na paisagem e a imagem da realidade atravs do mapa. As paisagens culturais adquiriram muita importncia e eram abrangentes, suscitando primeiro a ideia de trans formao da paisagem por influncia da aco humana, com a modifi cao das "paisagens naturais" em "paisagens culturais", atravs das relaes com outras cincias como a pr-histria e a arqueologia; provocando depois estudos mais complexos, atendendo a diferencia es espaciais relacionadas com factores lingusticos, sociais, tnicos, rcicos ou religiosos e at polticos e ideolgicos.
A "fisionomia da paisagem", termo utilizado por Vidal de La Blache, que denota uma clara raiz humboldtiana, era entendida como
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Representaes Espaciais em Geografia
reflexo das relaes entre os fenmenos fsicos e humanos, que per mitia "estudar as expresses variantes que revestem segundo os luga res, superfcie da Terra" (V. La BLACHE, 1913).
O estudo morfolgico da paisagem com uma base funcionalista foi um marco importante mas vieram sobrepor-se concepes mais amplas em que a componente subjectiva mais relevante e que aten dem no s s formas de organizao do espao mas ainda vivncia, percepo e representao do espao, assim como ao comportamento, intencionalidade e decises, individuais ou colectivas, no espao.
1.4. O princpio da unidade da Geografia, a importncia da paisagem que se v e que se sente. Orlando Ribeiro, recusando relaes causais lineares, afirmou o pensamento da Geografia moderna e desenvolveu uma obra de primeiro plano quanto teoria da Geografia: quer do ponto de vista epistemolgico, refutando posies extremas quanto influncia do determinismo natural da interpretao ecolgica ou quanto ao poder organizador do homem e das sociedades; quer do ponto de vista metodolgico, no reduzindo o estudo da paisagem anlise objectiva dos factos materializados e s formas visveis mas atendendo tambm interferncia da representao, percepo e deci so, tanto quanto aos elementos construdos como quanto reaco aos fenmenos do clima e dos estados do tempo, de secura ou de chuva, interpretados pelo sentir, os costumes ou tradies e motivan do aces e reaces; quer do ponto de vista cultural, realando a aco do homem que, de acordo com intenes e valores, aceitou e transformou o meio que j no natural, integrando-o no seu patri mnio de civilizao.
Orlando Ribeiro defende a unidade da Geografia, a partir da adopo do princpio da unidade terrestre. Atende ao estudo integrado dos fenmenos naturais e humanos que constituem aspectos da super fcie terrestre, considerados na distribuio e relaes recprocas. E seu objectivo a "compreenso do espao", "do modo como nele se organizam e interferem elementos naturais e humanos provenientes da capacidade criadora dos grupos humanos". "Os grupos humanos con frontados sempre com o quadro natural e com as modificaes que nele introduzem, constituem as "chaves" da interpretao. Integrao e sntese: a paisagem humanizada" (O. RIBEIRO, s/data).
Diversos exemplos revelam "a importncia geogrfica do homem e como numa cincia da Terra e das suas paisagens cabe aos seres humanos larga parte na explicao daquela e destas. Para alm destes
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factos visveis da natureza e da humanidade, outros factos se desco brem e outros problemas se levantam".
... A "base , na Geografia, a paisagem, aquilo que se v e pode reproduzir-se. Porm, (n)a paisagem... alm das suas formas prprias, h um complexo mundo de foras que nela vm inscrever o resultado das suas aces. Por exemplo, o clima de uma regio conhecido por uma srie de elementos meteorolgicos obtidos pela medio de aparelhos registadores. Mas fala mais ao nosso esprito o aspecto da vegetao, que denuncia o grau de calor e humidade desse clima, do que as tabelas dos fenmenos atmosfricos. Ao gegrafo importa sobretudo o que se v, isto , a aco do clima na fisionomia das associaes vegetais, na natureza das culturas, na localizao das povoaes... mas no despreza o clima que se sente atravs de todos estes seus reflexos visveis". "Ora de modo semelhante se deve colo car o problema do mbito da Geografia humana, restrita, para uns, ao estudo das obras humanas materiais e da aco do homem sobre a paisagem, ampliada, para outros, at considerao das formas da cultura... como as crenas, costumes, tradies, sentimentos (que) podem ter expresso material na paisagem... (O. RIBEIRO 1960 pp 66-67).
2. As Representaes Espaciais Este tema considerado hoje fundamental em Geografia susci
tando numerosos estudos que focam uma grande diversidade de aspectos e problemas.
2.1. Diferentes Perspectivas. A perspectiva ambientalista desenvol- veu-se na geografia anglo-saxnica e americana na dcada de 60, incidindo especificamente no tema do ambiente, tal como percep cionado, e atendendo, nomeadamente, reaco humana perante as cheias, as secas e outros fenmenos inesperados com que a sociedade se confronta. Outro objectivo em destaque a qualificao doambiente no espao construdo, considerando os valores normativos de bem-estar e de qualidade de vida no espao urbano do ponto de vista dos habitantes urbanos.
A perspectiva das identidades regionais evidenciou-se em Franaonde havia uma forte tradio de estudos regionais desenvolvida a partir da Escola de Geografia francesa nas primeiras dcadas deste sculo. Teve como principal preocupao as identidades regionais 104
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reconhecidas atravs da relao-associao entre a geografia fsica e a geografia humana, admitindo a capacidade de adaptao, aco e transformao exercida pelos grupos humanos, que configurada na noo de meio (dos lugares habitados) e da paisagem. Mais recente mente atendeu a uma multiplicidade de factores, como o conhecimen to, a comunicao, o comportamento, a cultura, para analisar as iden tidades forjadas na regio como espao vivido atravs de experincias quotidianas ou de contactos, comunicao ou imagem.
No s na Frana e na Alemanha, como na geografia anglo-sax- nica e americana, verifica-se hoje um grande interesse por estudos que incidem no significado da paisagem e do lugar, na importncia da cultura e da memria, na iniciativa, deciso e comportamentos que influenciam o grau de dinamismo da regio, ou seja, o carcter da evoluo na continuidade ou na mudana, que evidenciado de modo diferente e em contextos territorialmente circunscritos, esboando-se a partir desta perspectiva uma "nova" geografia regional.
de destacar ainda a perspectiva fenomenolgica que insiste na experincia, na conscincia, na intencionalidade do sujeito, em oposi o s perspectivas normativas. Atende relao emptica entre o sujeito e o espao, ao sentido do espao atravs das experincias vivi das, individuais e subjectivas, e ao carcter simblico.
A tendncia principal da geografia das representaes espaciais considerar como a aco e a experincia do homem indissocivel das suas imagens mentais e como estas influenciam as suas prticas que, por sua vez, vo modificar o seu modo de viver e, portanto, o espao. um contributo importante para o estudo em profundidade das relaes entre o homem e o espao atravs das representaes mentais e do imaginrio, pretendendo-se assim ultrapassar as anlises morfolgicas e funcionalistas do espao e introduzir o carcter sim blico na interpretao das prticas quotidianas no espao e no ter ritrio.
2.2. O Espao Vivido, o Sentido do Lugar e da Paisagem. A geografia humanista que valoriza as representaes espaciais rejeita a diviso rgida entre o mundo objectivo exterior e o mundo subjectivo pois que a coerncia do mundo se relaciona com os nossos conceitos organiza dores e percepcionada consoante a nossa conscincia; neste sentido o sujeito est implicado no processo de conhecimento do espao e no h separao entre factos e valores.
O espao vivido a base espacio-temporal e cultural da experin cia quotidiana. A importncia e significado da experincia e da me-
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O Conceito de Representao
mria na vivncia humana e social no espao depende do imaginrio e de conceitos subjectivos da apreenso simblica do espao. H um dualismo, uma dialctica fundamental da experincia humana no espao e no meio em termos de exterioridade-interioridade.
As representaes espaciais esto relacionadas com sistemas de valorizao e de identificao em relao ao espao vivido interiori zado, que explicam as sensibilidades s paisagens, o que em termos globais referido como sentido do lugar (Sense of place, Y. TUAN, 1974 e 1977, J. EYLES, 1985).
O sentido do lugar uma relao de familiaridade e de empatia acompanhada da atribuio de valores que significam uma topofilia ou ligao afectiva dos indivduos ao meio de vida e ao lugar (Y. TUAN 1974, 1977).
A paisagem observada atravs da nossa viso provoca uma avaliao ou apreciao esttica mas, alm disso, a paisagem repre senta um espao de vivncia apreendido com um horizonte definido mas com forte relao de identificao. Por isso, frequente a cono tao de paisagem com lugar. Os acontecimentos, as experincias humanas so transpostas e sobrepostas nas paisagens que reflectem e reforam a nossa identidade, individual, colectiva ou mesmo nacional.
A rea em que investiga para o gegrafo uma realidade que procura conhecer atravs de mtodos de observao e de sistematiza o da informao. Imbudo de uma certa sensibilidade esttica e de uma noo de sistema de valores conotados com a aco humana, apreende ao mesmo tempo o sentido da representao do espao na' paisagem que observa. Dificilmente se encontrar algum que esteja em melhores condies para reconhecer a relao entre a Sociedade e o Espao, quer no respeitante ao patrimnio natural ou construdo, quer quanto ao significado das lgicas espaciais e do sentido do lugar! reproduzidos na paisagem por aco humana, individual ou colectiva! e da sociedade na organizao do territrio.
2.3. A Paisagem como Representao Espacial e as relaes entre o significante e o significado. A paisagem pode designar dois tipos de realidades. As realidades materiais so constitudas por elementos naturais, como os traos de relevo - falsias, colinas rochosas, decli ves de terreno - ou criadas pelo homem - sebes, sistemas de irrigao e de drenagem, terraos cultivados, construes. As realidades imate riais revelam-se pela percepo, esttica e mental: so muito impor- 106
Representaes Espaciais em Geografia
tantes porque condicionam a ideia que as pessoas formam sobre as
qualidades do espao que se apresenta sob os seus olhos. Desde h muito tempo que a institucionalizao da cincia geo
grfica foi afirmada, realando como seu objectivo essencial o estudo da paisagem e enunciando ao mesmo tempo o princpio metodolgico da observao a partir da "paisagem humanizada" (O. RIBEIRO, 1960).
Esta atitude actualmente reforada por alguns gegrafos que insistem nesse objectivo e mediante uma anlise e interpretao ampla e diversificada: a paisagem uma aparncia e uma representao, ou seja, um conjunto de objectos visveis, percepcionados pelo sujeito atravs dos seus prprios filtros, preferncias e fins. Atribui-se a maior importncia paisagem percepcionada, admitindo-se, quanto aos seus elementos que j existiam antes de se exercer a aco huma na, que so componentes da paisagem desde que esta percepciona da: s a representao os integra como paisagem.
As representaes so variveis segundo as sociedades e as pes soas, as culturas e os modos de vida.
Os gegrafos que defendem a importncia da geografia cultural focam a paisagem segundo uma perspectiva diferente dos que aten diam a uma paisagem objectiva e aos elementos materiais que a com punham. Contrapem outra atitude que considera a paisagem como representao. Neste sentido a paisagem plena de valores, uns de conotao generalizada e outros especficos de culturas, classes, gru pos ou pessoas. Tem um valor de uso, suscitando prticas sociais, facultando referncias e mesmo o sentido de familiaridade com os
lugares e at o valor afectivo ao patrimnio. Tem tambm um valor de troca quando se apresenta como impressionante atributo privilegiado de uma residncia que se vende a elevado preo. H tambm as paisa gens simblicas que evocam uma identidade nacional, regional ou local, atravs da imagem de um estereotipo que tanto pode ser um monumento como uma forma de relevo impressionante.
Na leitura da paisagem ressaltam sinais que no foram criados voluntariamente como expresso de um projecto mas so o resultado de uma multiplicidade de aces humanas. Trata-se de atender tanto s representaes como aos seus elementos materiais, considerando a paisagem como produto da prtica e da aco quotidiana que prpria da organizao da sociedade, e reconhecendo indcios das estruturas econmicas que esto associadas paisagem que se revela. Assim, a paisagem como conjunto de indicadores diz muito sobre a sociedade que a produziu mas no de forma linear sem ambiguidades: alguns
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O Conceito de Representao
indicadores esto apagados ou so remanescentes, enquanto outros so polisnicos e traduzem processos diferentes. Por isso, a paisagem no um simples reflexo.
A paisagem corresponde a uma realidade complexa, o que no significa fluida. Tem uma importante componente subjectiva que no se presta a estatsticas e classificaes, maneira como a analisam os naturalistas ou os engenheiros.
O aspecto subjectivo da paisagem pode ser um suporte de aco permitindo suscitar verdadeiras dinmicas. H, pois, duas atitudes perante a paisagem. A primeira consiste em considerar que os elemen tos perceptveis das paisagens resultam de actividades econmicas e sociais que a se exercem como reflexo de uma sociedade que utiliza tcnicas agrcolas ou industriais ou redes de comunicao; esta con cepo da paisagem considerada "mecanicista" opondo-se a qualquer tentativa de aco e modificao. A segunda atitude consiste em pensar que a paisagem representa um conjunto de signos que so reflexo de uma realidade complexa; o conjunto de signos visuais de uma paisagem forma uma linguagem de que se substimou, durante muito tempo, a sua fora de incitao, ou seja, o poder de influenciar iniciativas diversas.
2.4. As paisagens, as lgicas espaciais e as modificaes do territrio. A paisagem rural apresenta-se com grande complexidade, modelada por um tempo longo, por geraes sucessivas que procuraram tirar partido das possibilidades proporcionadas pela parcela de terreno, a qualidade do solo, as vantagens da exposio, a gua disponvel ou as manchas da vegetao. A diversidade das paisagens grande e a cada uma delas corresponde um estilo de vida que se expressa na forma das parcelas, na arquitectura, na organizao das aldeias. Os actores e agentes primordiais foram as comunidades rurais, embora depois se sobrepusessem as polticas do Estado, de ordenamento agrrio ou de fomento agrcola e, mais modernamente, as polticas emanadas de organizaes transnacionais, como a Unio Europeia com objectivos de reduo selectiva da produo agrcola e, portanto, da rea cultiva da, suscitando como alternativa para as reas rurais marginais outro tipo de uso para o turismo, a floresta ou a conservao da paisagem em Parques e Reservas Naturais.
A noo de paisagem engloba no s o campo como a cidade. Num mundo em que a mobilidade crescente e os citadinos se deslo cam frequentemente ao campo por terem a a sua residncia, possu-
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Representaes Espaciais em Geografia
rem terras ou por motivos de lazer, no possvel tratar o mundo rural independentemente do mundo urbano e inversamente. A globalizao do espao considerada nos problemas actuais do ordenamento do territrio.
A paisagem urbana apresenta-se com aspectos especficos e conotaes prprias. a imagem de um espao construdo pelo homem num territrio de vida de relao e aco em funo das suas necessidades econmicas e sociais, das suas heranas culturais e dos elementos do meio que influenciaram o stio original. Para alm das comunidades de habitantes com relaes de vizinhana, outros agen tes intervieram na modelao da paisagem urbana. Os empresrios, actuando individualmente ou atravs de sociedades de empreendimen tos imobilirios, exerceram forte influncia, tirando partido do valor de troca elevado proporcionado nos locais com uma posio estratgi ca, junto a um rio navegvel, a uma linha de caminho de ferro, a gran des artrias de circulao, ou nos lugares centrais de elevada aces sibilidade facultada pela disposio radial das vias de comunicao. A aco do Estado como factor poderoso da expanso da cidade teve tambm reflexos importantes patentes na paisagem urbana. O desen volvimento da cidade foi incrementado com a centralizao do poder do Estado, ao mesmo tempo que o planeamento urbano assumia importncia no crescimento da capital; o apoio do Estado permitiu a instaurao de novos espaos urbanos e o planeamento, propiciando o ordenamento do espao, favoreceu processos de especulao imobi liria que se traduziram na transformao dos arredores da cidade em subrbios residenciais, ao mesmo tempo que se alargava a renovao urbana no centro da cidade para intensificar o uso e o valor do solo urbano com a localizao concentrada de estabelecimentos de comr cio e servios. Na paisagem urbana denotam-se claramente os sinais de interveno dos diferentes agentes, quer nos contrastes, quer nos traados e silhuetas, quer nas fachadas dos edifcios.
A cidade, alm da qualidade visvel do espao construdo apre ciado na paisagem, representa experincias vividas e modos de rela o entre os habitantes, diferentes graus de mobilidade no espao e distintas lgicas espaciais. Compreender a cidade , pois, compreen der o que ela conota para os indivduos e vice-versa, ou seja, o que eles projectam nela, o sentido que dela tm e que modifica as suas ati tudes e comportamentos em relao a ela.
A primeira etapa da anlise do espao urbano e sempre foi a descoberta da paisagem urbana que conduz a reflectir sobre a percep-
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O Conceito de Representao
o espontnea da paisagem, descobrindo a nossa relao com o meio urbano e as representaes que da emanam.
Depois h o descodificar da organizao espacial global da cida de, para identificar os componentes consoante a maneira como
apreendemos esse meio e as valorizaes de que portador. Reconhe- ce-se ento a estrutura da cidade tal como ns a representamos.
Um dos primeiros autores a filtrar a imagem da cidade foi K. Lynch (1960) que distinguiu assim uma tipologia de elementos da estrutura urbana:
eixos estruturantes ns de confluncia e de concentrao entre os eixos limites e discontinuidades
propriedades simblicas - centralidade e marginalidade, bairros ricos e bairros pobres
propriedades projectivas e temporais - reas e centros histricos, faixas modernas, renovao urbana
propriedades funcionais - funes e relao com formas cons trudas.
A paisagem industrial muito diversificada pois que a localizao da indstria tem uma ubiquidade crescente e est cada vez mais livre ("footloose") de factores determinantes, como foram a acessibilidade por vias navegveis ou ao longo de linhas de caminho de ferro e a proximidade de recursos naturais como a floresta ou as riquezas mine rais do sub-solo.
Os espaos industriais devem-se principalmente iniciativa dos empresrios: os de pequenos capitais e de origem local ou os homens de negcios e grandes capitalistas que organizam empresas de vulto que persistem frequentemente ao longo de vrias geraes constituin do grandes dinastias com actividades ramificadas em diversos secto res da economia.
Intervm tambm a aco do Estado, pois que, se, de facto, as aglomeraes industriais devidas ao investimento pblico ou a socie dades mistas so pouco numerosas, a influncia do Estado na locali
zao e desenvolvimento de indstrias tem sido importante, mediante aces indirectas ou supletivas e nomeadamente: a regulamentao legislativa em vrios domnios; a formulao de polticas incidindo na actividade econmica, nas relaes de trabalho, nos nveis de salrios e de segurana social, na formao profissional e na criao de emprego e regulao dos mercados de trabalho; e ainda pela definio e implementao de planos de desenvolvimento sectorial e regional.
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Representaes Espaciais em Geografia
As paisagens industriais so de uma grande polisemia, distinguin- do-se primeira vista as concentraes industriais e as aglomeraes industriais ou os complexos industriais, assim como as paisagens de indstria difusa. Esto hoje afastadas as teorias que as interpretavam com base em critrios estritamente econmicos admitindo que estes orientavam a aco dos empresrios. A viragem epistemolgica e metodolgica para as interpretaes de base fenomenolgica e a partir dos comportamentos individuais, em rede ou por grupos e tipos, inci diu tambm no estudo do espao e da paisagem industrial e com parti cular intensidade por ter sido persistente e unilateralmente preponde rante, durante muito tempo, a influncia das teorias macroeconmicas e microeconmicas, baseadas em postulados tericos racionalistas e abstractos.
2.5. A paisagem industrial diversificada: influncia de factores econmicos de localizao ou distintas lgicas espaciais e representaes do territrio de diferentes indivduos ou grupos sociais? Quando se atende s decises de localizao no espao, no so as caractersticas objec tivas do espao que importam mas as caractersticas percepcionadas que influenciam as relaes do homem no espao, ou seja, as suas lgicas espaciais consoante a imagem que o homem tem do espao. Conta particularmente a experincia individual, de modo que cada um tem do espao uma imagem especfica em que os seus componentes se revestem de significaes particulares. E difcil conhecer o proces so de construo da imagem e as relaes entre o significante e o sig nificado mas verifica-se que o indivduo e o empresrio decidem a localizao da sua actividade em funo da informao que recebem, no estando esta conotada com o meio ou o espao objectivo que distinto do espao e meio percepcionado: nem todos os sinais so recebidos; passam por um filtro perceptual de modo que, num primei ro nvel, algumas potencialidades do espao "real" no so ainda reveladas ou no parecem teis ou utilizveis num certo estado de desenvolvimento tcnico ou econmico e s tero significao poste rior; num segundo nvel, o indivduo ou empresrio selecciona, clas sifica, hierarquiza os sinais em funo dos seus gostos, as suas experincias, as suas capacidades e aptides pessoais. O status socio- -econmico, as caractersticas culturais, o nvel de educao, a idade, o grau de aspiraes, a personalidade, a localizao (lugar onde habi ta) so importantes na variao pessoal do esquema e processo de percepo (segundo D. HUFF, 1960). Depois deste segundo crivo que
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muito selectivo, o indivduo dispe de uma imagem residual. Uma codificao final que o cdigo da comunicao perfaz um modelo simplificado do espao em que actua. A percepo do espao vari vel consoante os indivduos ou o tipo e a dimenso da empresa.
A importncia da percepo, da imagem e da representao do espao contrape-se ao critrio do homo oeconomicus racional, substituindo-o pelo critrio de satisfao que origina uma complexida de de atitudes de comportamento e de deciso em que interferem, alm da viso e imagem geogrfica a partir do local de residncia, a faculdade de adaptao a novas condies estruturais ou conjunturais, a memria da experincia passada, a tendncia para a repetio segundo "o mnimo esforo" ou a iniciativa de reaco a estmulos.
Um conceito considerado importante na actuao do empresrio o de horizonte geogrfico que traduz a preferncia pela proximidade
do local onde vive ou onde estabeleceu a primeira empresa, pois que interferem de modo diferente, consoante os lugares e os indivduos, as barreiras das redes de comunicao e as dificuldades de difuso da informao. A relao de proximidade considerada assim um importante factor psicolgico (M. GREENHUT), proporcionando um grau de satisfao ao empresrio. tambm varivel o nvel de aspi raes do empresrio em funo do qual avaliada a "utilidade do lugar" (J. WOLPERT) e o grau de satisfao. A necessidade do empre srio de maior informao e de reformulao de objectivos relaciona- -se com o nvel de aspiraes e dela dependem no s os esforos empreendidos para melhorar a sua actividade como a prontido em reagir a indcios menos favorveis sua actividade. Assim, uma baixa de lucros no provoca sistematicamente o encerramento da empresa e a alternativa por uma localizao mais favorvel, dependendo do limiar de tolerncia ou de satisfao que varia entre os empresrios.
As representaes mentais tm uma forte influncia na deciso de localizao do indivduo ou do empresrio que assume prefern cias espaciais. O papel da "experincia espacial" tem frequentemente um grande peso: no se atende apenas a uma relao de distncia e proximidade fsica mas tambm comunidade da lngua, da cultura e de prticas sociais e, por isso, a proximidade de residncia revela-se um factor importante na escolha da localizao para exercer a activi dade, principalmente quanto aos pequenos empresrios. Toda a deci so de deslocao da empresa envolve a noo de incerteza e risco mas os comportamentos revelam frequentemente reaces habituais, imbudas de empirismo, que tendem minimizao da incerteza,
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optando-se por isso por localizaes conhecidas que so as mais prximas ou as mais familiares salientadas nas representaes mentais do espao. A reduo da incerteza resulta mais de reaces empricas que influenciam o comportamento: frequente a repetio de um comportamento anterior conhecido pela experincia passada de modo que o indivduo ou empresrio manifesta preferncia por um lugar prximo da residncia ou da sua primeira empresa; mesmo quando a mudana inevitvel, relocaliza-se o mais perto possvel, para no romper os laos com o meio, o que equivale a reduzir a incerteza porque se dispe de um melhor conhecimento pessoal e de informa o sobre o meio onde se teve experincia concreta. Outro factor importante a imitao que decorre frequentemente nas manchas de indstria difusa, em que uma empresa com um papel piloto suscitou a organizao de outras pequenas empresas que vieram localizar-se na proximidade.
O horizonte geogrfico e o sentido do lugar variam entre os indivduos e entre os empresrios pois que interferem no s o meio geogrfico e as barreiras de informao e comunicao como tambm o status socio-econmico, o grau de instruo, a idade, a experincia e a memria. Ser, no entanto, o conceito de utilidade e satisfao apenas importante para o pequeno empresrio isolado ou justifica tambm a aco e deciso do grande empresrio, ainda que com outro alcance, diferente significao e significado? Para um industrial de uma pequena cidade que pretende construir uma fbrica ou empreen der uma actividade produtiva orientada para o mercado, o seu hori zonte geogrfico limita-se frequentemente aos limites do concelho ou da regio onde nasceu, viveu e donde no pensa sair. As grandes con centraes industriais que so constitudas por empresas de mdia e grande dimenso no configuram tambm o imperativo de minimizar os riscos e a incerteza? Resultam da repetio sucessiva de localiza o de empreendimentos que se revelaram anteriormente satisfatrias e rendveis e reflectindo, portanto, a deciso de instalar a fbrica numa rea conhecida, imitando outros empresrios, ou de alargar o empreendimento expandindo a fbrica no mesmo lugar. A industriali zao difusa evidencia-se na paisagem como uma malha de pequenas empresas independentes mas com relaes de proximidade; no reve lam imperativos de concentrao mas formas de aglomerao em mancha difusa de malha larga que sucessivamente se alarga e se difunde ao longo de um vale ou de uma via de comunicao. A imita o foi aqui um factor de localizao mas tambm preponderaram a
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necessidade de relaes de complementaridade e mesmo de interaco e troca de semi-produtos e de informao, que so propiciadas e faci litadas pela proximidade.
Mesmo num espao alargado pela extenso e intensidade dos sistemas de transportes, comunicao e informao, como o da Europa do Mercado Comum, as relaes de proximidade e o horizon te geogrfico no deixam de exercer uma influncia importante na organizao da actividade econmica como a indstria.
Os industriais ingleses que se implantaram em Frana comea ram por se instalar de preferncia nos bordos da Mancha, enquanto os empresrios alemes preferiram a Alscia. Numa segunda fase os comportamentos dos investidores industriais estrangeiros foram mais diversificadas, optando por localizaes que no se revelam diferentes das manifestadas pelos industriais franceses e a geografia industrial da Frana modificou-se.
Na Europa a instalao de novas e modernas infra-estruturas rodovirias que constituem grandes eixos de circulao transfronteiri a e transnacional, segundo os objectivos da Unio Europeia, suscitou a localizao de empresas industriais multinacionais ao longo dessas vias. No entanto, alm desta rede de eixos, persiste e aumenta a trama polinucleada constituda pelas cidades industriais, como Lyon, onde se aglomeram pequenas, mdias e at grandes indstrias criadas por empresrios de origem e viso local que aproveitam sinergias ou imi tao devidas tradio industrial local. Principalmente quanto aos pequenos e mdios empresrios pouco frequente a preferncia espa cial e a atraco nas decises de localizao pelas grandes vias estru turantes do espao europeu transnacional. Assim, mesmo num espao em que a mobilidade e a difuso da informao foram incrementadas, as representaes espaciais so diferentes, assim como as lgicas espa ciais e os modos de modificao do territrio.
Em Portugal tm persistido diferenciaes regionais nos modos e formas de organizao do territrio, nomeadamente entre o Norte e o Sul, o Litoral e o Interior. No se tm verificado, de facto, grandes alteraes nos padres e ao interrogarmo-nos sobre esta questo no podemos deixar de atender aos factores de deciso e aco que se geram e se inscrevem a nvel individual e local articulados com os conceitos e critrios de horizonte geogrfico e meio geogrfico.
O Complexo Industrial do Barreiro denota bem a aco de um empresrio de vulto, Alfredo da Silva, que a partir de 1907 deslocou a sua primeira empresa localizada em Alcntara, instalando uma con-
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centrao industrial moderna que aproveitava as vantagens de um stio favorvel na margem sul do esturio do Tejo; houve uma expanso progressiva por vrias fases, alargando-se o espao ocupado ao longo do cais do Barreiro e mesmo at ao Lavradio; construram-se novas pontes e, em meados da dcada de 50, o porto que servia o complexo industrial do Barreiro passou a ser o mais importante em tonelagem movimentada, a seguir ao de Lisboa e de Leixes. Entretanto, cons truram-se bairros operrios junto s antigas fbricas mas a cidade do Barreiro cresceria depois para Sul do complexo industrial at muito longe do porto, pela aco de empresas do sector imobilirio que construram habitaes em prdios de elevada altura, tornando-se a cidade do Barreiro num dormitrio da periferia de Lisboa.
Mudou o Tempo e o Modo. Est actualmente em expanso um Parque de Cincia e Tecnologia em Oeiras que dever congregar pode rosas instituies pblicas, para-pblicas e privadas num megaprojec- to patrocinado pelo poder poltico e segundo um desenho apropriado: no Tagus Park atribuiu-se uma posio central s actividades de I&D, ncleo que circundado pela rea reservada ao Ensino e Formao; dever estender-se longitudinalmente a faixa destinada ao sector Em presarial e as franjas limtrofes foram concebidas como reas Verdes.
Entretanto, a industrializao em meio rural ou semi-rural expan- de-se sob a forma de Industrializao Difusa por iniciativa de agentes econmicos locais com capitais e poupanas de origem local e fami liar. No surpreende, portanto, que as redes da Indstria Difusa tivessem crescido no Norte Litoral e no Centro Litoral com destaque para o Vale do Ave, concelhos de Paredes, Lousada e Felgueiras, con celhos de Vila da Feira, S. Joo da Madeira e Oliveira de Azemis, concelhos de Marinha Grande, Leiria e Alcobaa. Organizaram-se de forma diferente no espao e no tempo, em distintos meios e horizontes
geogrficos, com diferentes razes histricas, tradies e memrias. Tm caractersticas em comum e em especial fortes relaes de proximidade: no s entre as fbricas mas tambm entre o estabeleci mento industrial e a habitao; a contiguidade do espao rural outro aspecto caracterstico, de tal modo que suscita problemas quanto delimitao entre o que urbano e rural e questes complexas de ordenamento territorial, nomeadamente quanto programao e implementao de infra-estruturas no s da rede viria como da rede de saneamento bsico e de equipamentos colectivos.
clara a tendncia para maior polisemia de paisagens industriais. Como objecto de estudo do gegrafo e considerando-as como repre sentaes do espao, no podemos deixar de nos questionar sobre as
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suas significaes e significado... Reforo da centralizao do capital ou disseminao de iniciativas de base local enraizadas na tradio e incentivadas com objectivos de complementaridade e pluriactividade?
Objectividade e Subjectividade na Representao e Lgica Espacial. A dialctica entre o especfico - local ou regional - e o geral, entre o individual e o colectivo ou social, entre o contexto particular e a estrutura, entre o subjectivo e o objectivo, uma questo sempre pre sente na geografia. O problema da perspectiva constante no conhe cimento e estudo geogrfico, com maior nfase modernamente quanto ao visvel e, especificamente, paisagem em que a antinomia objecti vo - subjectivo est posta de lado.
"Nem o subjectivo deixa de se expor em regras objectivas, nem o racionalismo da espacialidade, a construo desta, se pode desligar do factor individual, acidental ou arbitrrio" (A. MARQUES, 1993, p. 17). "Assim aparece-nos o perspectivismo como uma epistemologia apri sionada aos supostos de uma filosofia da representao... e da objec tividade como plo ou antpoda necessrio da subjectividade de novo tipo" (p. 18). "No se trata pois, quando se fala em perspectiva ou perspectivismo, de uma arbitrariedade sem regras expostas ou expo- nveis objectivamente... mas, por outro lado, torna o fenmeno con tingente e dependente do ser humano, na verdade do individual: que estas regras referem-se s condies psicolgicas e fsicas da impres so visual e o modo como elas produzem efeito determinado pela posio escolhida livremente de um ponto de vista subjectivo". "Esta uma solidariedade, a da subjectividade e a das regras que a estrutu
ram, que no se ir perder e condiciona todas as questes centrais que classicamente esto ligadas ao perspectivismo como a verdade, o relativismo ou a objectividade, quer esta assente em supostos prag mticos, quer num neo-aprionismo" (p.19).
"O abandono da metafsica realista um passo importante, pois no existe algo que seja como "um ponto de vista de nenhum stio"." Mas a seguir dever-se- reconhecer que o quadro cognitivo, sem referncia no seu exterior que funcione como o fundamento ltimo da verdade ou da objectividade, ter de assentar num outro princpio de organizao" (p.48).
Remontando a Kant na Crtica da Razo Pura, salienta-se a "representao mediadora", a qual "ter de ser pura (sem algo de emprico) e por isso de um lado intelectual, por outro lado sensvel". "Esta actividade como funo transcendental do sujeito ("uma arte
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Representaes Espaciais em Geografia
escondida nas profundezas da alma humana") atribui simultaneamente aos nossos conceitos, por ocasio da sua aplicao e at queles que esto mais desviados do emprico, uma determinada fora cognitiva. Deste modo os conceitos recebem uma sensibilizao especial e ganham uma inevitvel capacidade cognitiva e interpretativa" (A. MARQUES, 1993, p. 57).
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Abstract
The analysis of space related to a positivist approach was influenced by methods of economies that first developped theories of spatial analysis grounded on homo oeconomicus. This conception is in fact today very reduetive and thus criticized so that a more comprehensive approach is inevitable and enlarged considering not only economic variables but also social and cultural components, focusing spatial reprsentations. As we look far back we are aware that spatial reprsentations have been regarded as very important in Geography.
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Representaes Espaciais em Geografia
Resume
Lanalyse de 1'espace relie a une perspective positiviste a t influencie par la methodologie des conomistes qui ont t les premieis a developper une thorie de 1'analyse de 1'espace sur la base de 1'homo oeconomicus. Cette conception se revele aujourd'hui tres reduetive et donc critique et substitue par une perspective alarge non seulement aux variables conomiques mais aussi aux facteurs sociaux et culturels, oriente vers les reprsentations spatiales. A cet gard, on pcut constater que depuis long temps les reprsentations spatiales ontt matrises par la Geographie.
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Paula Bordalo Lema
As representaes espaciais so o cerne da Geografia desde que se deram os primeiros passos para a elaborao da cartografia. Os mapas, elaborados primeiro para se aperceber os contornos do mundo e, depois, para representar situaes regionais ou locais, constituram sempre um instrumento e uma tcnica da geografia aplicada em dife rentes contextos espaciais, tendo em vista as formas de ocupao e os limites do territrio, a organizao da cidade ou os modos de implan tao no espao de pequenas comunidades humanas. Conhecida e
representada a distribuio, associao e conexo dos factos fsicos e humanos superfcie da Terra, o estudo da Geografia orientou-se para a sistematizao dos conhecimentos sendo a observao no terreno o princpio metodolgico primordial. Houve oscilaes sucessivas quanto escala de anlise prioritria - geral, regional ou local?
- e
quanto predominncia dos princpios metodolgicos - relevncia dos estudos empricos ou dos sistemas e teorias? A Geografia oscilou entre a primazia atribuda ao objectivo ou ao subjectivo, ao geral ou ao particular, influncia positivista ou espiritualista e humanista, ao significado do colectivo ou do individual e singular, explicao estruturalista ou noo de especificidade de contextos localizados e circunscritos, entre a explicao e a compreenso. Incidindo na aco do homem sobre a Terra, na relao entre a Sociedade e o Espao,
Revista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n." 10, Lisboa, Edies Colibri, 1997,
pp. 97-119.
O Conceito de Representao
atendeu interferncia de diferentes perspectivas. Com a organizao do espao, constituem-se as relaes sociais, cada vez mais complexas; porm, elas so constrangidas atravs do espao, quer pela inrcia que persiste ao longo do tempo, do "espao construdo" herdado, (built environment), quer por limitaes impostas pelos riscos naturais; contudo, so tambm mediatizadas atravs do espao pelas representa es espaciais, individuais e colectivas, articulando-se diferentes lgi cas espaciais com distinto tipo de impacto nas transformaes do ter ritrio. Desde a institucionalizao da Geografia moderna, muitas cor rentes contriburam para a questo da representao espacial mas o percurso no foi linear, destacando-se afirmaes e reaces, diferen tes tendncias e alternativas.
1. A Geografia das Relaes Espaciais entre a Natureza e a Sociedade
1.1, A Paisagem como objectivo da Geografia, com significado de representao do espao. Humboldt marcou a institucionalizao da Geografia como cincia que ganha um novo impulso em meados do sculo XIX. Demarcou-se, de facto, das tendncias anteriores que a reduziam a relatos empricos de factos observados em viagens por percursos desconhecidos ou a descries de povoados atendendo aos modos de habitar e de viver, s formas de construir e de edificar sobre a superfcie da Terra, sob condies naturais rigorosas nuns casos ou favorveis noutros casos.
Humboldt preocupou-se com as relaes entre fenmenos e fac tos visveis superfcie da Terra, destacou o princpio da integrao e conexo e acentuou a ideia de harmonia da natureza pelas relaes entre os diferentes fenmenos, que se deveria inculcar na Humanida de, desenvolvendo uma concepo muito distinta da vigente no sculo XVIII.
Salientou a importncia da paisagem que era mais do que um conjunto de aspectos visveis mas, de facto, uma representao do espao. Realou o gozo esttico da paisagem e, sem referir explicita mente a importncia da percepo, destacava como carcter funda mental da paisagem a "simultaneidade de ideias, de sentimentos, de emoes que suscitam no observador" (H. CAPEL, 1981).
Humboldt revela uma sensibilidade perante a paisagem que era corrente nos naturalistas da poca. O sentido da natureza e da paisa gem reflecte-se em toda a sua obra, preocupando-se com a relao entre as grandes estruturas fsicas e as actividades humanas e, por
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Representaes Espaciais em Geografia
exemplo, com a influncia da natureza sobre a sade humana, pro clamando a esperana de que se chegar a esclarecer "as conexes entre o mundo material e o caracter moral e pessoal" (H. CAPEL, 1981, p. 15).
Viajante incansvel atravs de muitos continentes, em especial a Amrica Central e Sul, interessou-se pelo clima e sua influncia sobre os seres humanos organizados, o aspecto e estrutura da paisagem, variada segundo a natureza do solo e do seu manto vegetal, a direco das serras e dos rios que separavam as comunidades humanas; salien tou "o reflexo das modificaes da paisagem nos povos e nas circuns tncias mais ou menos favorveis para o desenvolvimento das suas faculdades" (H. CAPEL, 1981). assim realada a paisagem como representao do espao e a noo de que interagem o complexo de fenmenos fsicos e os factos devidos presena de comunidades humanas, realizados no s com objectivos de organizao mas tam bm movidos por sentimentos, ideias, percepes, individuais ou colectivas, e faculdades.
O gozo da natureza no impediu a forte conscincia que tinha das condies de pobreza e injustia social que evidenciavam os povos estabelecidos num quadro natural "estruturado pela conexo harmo niosa dos fenmenos fsicos": "a vida do campo perde o seu atractivo quando inseparvel do aspecto de infelicidade da nossa espcie" (H. CAPEL, 1981, p. 16).
A sua obra fundamental que foi publicada em vrios volumes a partir de 1845, Cosmos, trata do "conhecimento da conexo que existe entre as foras da natureza e o sentimento ntimo da sua mtua depen dncia". Na Introduo atende diversidade da natureza e ao gozo que ela suscita e, a seguir, ao estudo das leis do Universo; considera, depois, as distintas etapas da configurao da imagem do Cosmos (Vol. II, 1847): primeiro, o reflexo do mundo exterior na imaginao do homem, em que estuda como os homens representam a natureza e os efeitos na sua imaginao, analisando para isso descries da pai sagem feitas por diferentes escritores e a influncia da pintura da paisagem no estudo da natureza. Busca neste volume "a expresso do sentimento da Natureza entre os povos da antiguidade clssica e entre as naes modernas" (H. CAPEL, 1981, p. 28).
Humboldt reconhecido como um autntico precedente da "moderna geografia da percepo", "escrevendo magnficas pginas sobre essas geografias pessoais e sobre essas imagens mentais que s vezes fundam as suas razes no mito e na lenda" (H. CAPEL, 1981,
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O Conceito de Representao
p. 28): "existe, ao lado do mundo real ou exterior, um mundo ideal ou interior, cheio de mitos fantsticos e, algumas vezes, simblicos e de formas cujas partes heterogneas foram tomadas do mundo actual ou dos restos de geraes extintas" (COSMOS, Vol. III, 1874, p. 7).
1.2. A analogia com as Cincias Naturais sob a influncia do Positi vismo e do Evolucionismo. O Positivismo que se desenvolveu na
Europa em meados do sculo XIX veio, a seguir, influenciar o pensa mento de mestres relevantes da Geografia, sobrepondo-se tambm o impacto do evolucionismo e mais concretamente da obra de Darwin e dos primeiros criadores da ecologia biolgica.
O Positivismo, aliado a uma posio naturalista, elegeu as cin cias da natureza como modelo de todo o conhecimento cientfico que derivava logicamente da concepo monista do mundo.
A imaginao perde a sua antiga supremacia, subordinada agora observao: as conexes naturais entre os fenmenos dominam o
pensamento positivista, assim como a determinao de leis a partir das relaes constantes que existem entre os fenmenos observados.
O monismo positivista ope-se ao dualismo de origem cartesiana que admitia a distino entre o mundo fsico e o moral, e mais direc tamente ao dualismo kantiano; o monismo de base materialista reco nhecia uma s realidade natural em que o mundo fsico e o psquico so duas faces ou manifestaes distintas da mesma realidade.
A difuso do organicismo de base biolgica foi alargada com o triunfo do evolucionismo, que foi uma "revoluo copernicana" no sculo XIX propondo o abandono definitivo da concepo esttica do mundo e sua substituio por outra dinmica; estas ideias tinham-se esboado lentamente desde o sculo XVIII em que por influncias de Enciclopedistas como Diderot se realou a grande potncia criadora da vida, o seu poder de transformao que envolve os prprios seres humanos na escala do tempo que nada detm; passaram a ter uma longa difuso quando a concepo evolucionista se afirma, tanto na geologia como na astronomia, e tiveram uma rpida expanso com a publicao da Origem das Espcies (1859) de Charles Darwin (1809- -1882).
Na segunda metade do sculo XIX a afirmao do carcter cientfico da Geografia foi intensamente modelada pelas concepes positivistas e evolucionistas. Friedrich Ratzel (1844-1904) foi o primei ro gegrafo que aderiu s contribuies do evolucionismo biolgico e da organizao ecolgica, preocupando-se com as relaes entre os
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Representaes Espaciais em Geografia
distintos organismos vivos e entre estes organismos, incluindo o homem, e o meio ambiente que tinha uma influencia dominante, prin cipalmente nas organizaes com caracter mais elementar.
O gegrafo que apresentou ideias muito especficas e singulares de tendncia evolucionista foi J.J. Elise Reclus (1868-1905). Reala a forte interferncia da aco do homem e da sociedade, avaliando-a tomando como modelo a noo de equilbrio da natureza; atende natureza como referncia, exemplo e modelo para a anlise da organi zao (anarquista) da sociedade, destacando deste modo as dimenses de harmonia, cooperao e simbiose, em vez das tipicamente darwinis- tas de competio, seleco c luta pela vida. A obra de E. Reclus no teve continuidade imediata por falta de discpulos; nela se faz referncia, pela primeira vez, Geografia Social e, por isso, constitui um marco fundamental na Geografia que por princpio essencial questionou sempre a relao entre a Natureza e a Sociedade, pendendo cada vez mais para a perspectiva social no s atravs das actividades humanas, como das representaes e comportamentos em relao ao espao e natureza.
1.3. A intencionalidade humana, a contingncia e o Possibilismo na compreenso da Geografia. Nos finais do sculo XIX e princpios do sculo XX evidencia-se uma forte crise das concepes positivistas e o desenvolvimento de correntes neo-kantianas, espiritualistas e con- tingentistas. O abandono do monismo positivista corresponde a admi tir novamente o dualismo cartesiano e mais especificamente kantiano. A posio kantiana entre natureza e histria supe tambm a aceitao de correntes espiritualistas, em oposio ao materialismo, admitindo-se que a apreenso da realidade s possvel atravs da conscincia e da experincia. O "Historicismo" alcana um grande desenvolvimento como uma das mais importantes correntes da atitude autipositivista. Era aceitvel considerar a Geografia como uma cincia do singular, integrando-se no pensamento kantiano que tinha frisado a individualizao "das coisas de acordo com a sua localizao sobre a Terra" e o papel da "descrio geogrfica da natureza mostrando onde aparecem na Terra". "A Histria e a Geografia eram denominadas como uma descrio, com a diferena de que a primeira uma descri o segundo o tempo e a segunda uma descrio segundo o espao" (Kant: Physische Geographie, Ed. F.T. Rink, 1802). Considerou-se assim, ser essencial Geografia uma ptica corolgica que permite descrever e interpretar a inter-relao dos fenmenos, sua diferencia-
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o e variao superfcie da Terra, destacando-se de outras concep es de geografia, como a geografia geral que incidia na anlise da superfcie terrestre ou no estudo das relaes homem-meio. Admite- -se, no entanto, uma forte relao entre "geografia geral e a descrio de lugares particulares ou das paisagens", segundo A. Hettner (1927) que numa ambiciosa obra de conjunto (Vergleichende Lnderkunde, Leipzig, Berlim, 1933-35) estabelece uma ponte entre os quadros romnticos da natureza traados por Humboldt e a nova geografia da paisagem que comeava a despontar.
Em Frana o Historicismo influenciou uma noo de geografia proclamada por Vidal de La Blache (1845-1918) que foi a figura cen tral da formao da escola geogrfica francesa, reforada com a ascenso a Professor da Escola Normal Superior de Paris em 1 878 e ctedra de Geografia na Sorbonne em 1898, de modo que foram mui tos os seus discpulos por vrios decnios e extensa a sua influncia tanto a nvel nacional como internacional. O princpio da "contingn cia em tudo o que se refere ao homem" e a noo de liberdade humana em relao ao meio so a base do "Possibilismo" frisado por V. La Blache em 1903, segundo o qual o homem utiliza as possibilidades que a natureza oferece de acordo com as suas necessidades e depois de uma deciso livre e conscientemente tomada; ao realar a intencio nalidade humana, destaca ao mesmo tempo a capacidade de transfor mao da paisagem. Considerando como campo de estudo tradicional da Geografia a superfcie terrestre, V. La Blache expressou a noo de "meio (milieu)", significando no s o grau de adaptao mas tam bm a capacidade de transformao forjada pelos grupos humanos. A observao e o trabalho de campo constituam a base do estudo geo grfico, apreendendo o espao na sua totalidade, recorrendo a facul dades mesmo ditas no racionais mas muito importantes como a intui o; o objecto era a realidade percepcionada na paisagem e a imagem da realidade atravs do mapa. As paisagens culturais adquiriram muita importncia e eram abrangentes, suscitando primeiro a ideia de trans formao da paisagem por influncia da aco humana, com a modifi cao das "paisagens naturais" em "paisagens culturais", atravs das relaes com outras cincias como a pr-histria e a arqueologia; provocando depois estudos mais complexos, atendendo a diferencia es espaciais relacionadas com factores lingusticos, sociais, tnicos, rcicos ou religiosos e at polticos e ideolgicos.
A "fisionomia da paisagem", termo utilizado por Vidal de La Blache, que denota uma clara raiz humboldtiana, era entendida como
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Representaes Espaciais em Geografia
reflexo das relaes entre os fenmenos fsicos e humanos, que per mitia "estudar as expresses variantes que revestem segundo os luga res, superfcie da Terra" (V. La BLACHE, 1913).
O estudo morfolgico da paisagem com uma base funcionalista foi um marco importante mas vieram sobrepor-se concepes mais amplas em que a componente subjectiva mais relevante e que aten dem no s s formas de organizao do espao mas ainda vivncia, percepo e representao do espao, assim como ao comportamento, intencionalidade e decises, individuais ou colectivas, no espao.
1.4. O princpio da unidade da Geografia, a importncia da paisagem que se v e que se sente. Orlando Ribeiro, recusando relaes causais lineares, afirmou o pensamento da Geografia moderna e desenvolveu uma obra de primeiro plano quanto teoria da Geografia: quer do ponto de vista epistemolgico, refutando posies extremas quanto influncia do determinismo natural da interpretao ecolgica ou quanto ao poder organizador do homem e das sociedades; quer do ponto de vista metodolgico, no reduzindo o estudo da paisagem anlise objectiva dos factos materializados e s formas visveis mas atendendo tambm interferncia da representao, percepo e deci so, tanto quanto aos elementos construdos como quanto reaco aos fenmenos do clima e dos estados do tempo, de secura ou de chuva, interpretados pelo sentir, os costumes ou tradies e motivan do aces e reaces; quer do ponto de vista cultural, realando a aco do homem que, de acordo com intenes e valores, aceitou e transformou o meio que j no natural, integrando-o no seu patri mnio de civilizao.
Orlando Ribeiro defende a unidade da Geografia, a partir da adopo do princpio da unidade terrestre. Atende ao estudo integrado dos fenmenos naturais e humanos que constituem aspectos da super fcie terrestre, considerados na distribuio e relaes recprocas. E seu objectivo a "compreenso do espao", "do modo como nele se organizam e interferem elementos naturais e humanos provenientes da capacidade criadora dos grupos humanos". "Os grupos humanos con frontados sempre com o quadro natural e com as modificaes que nele introduzem, constituem as "chaves" da interpretao. Integrao e sntese: a paisagem humanizada" (O. RIBEIRO, s/data).
Diversos exemplos revelam "a importncia geogrfica do homem e como numa cincia da Terra e das suas paisagens cabe aos seres humanos larga parte na explicao daquela e destas. Para alm destes
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factos visveis da natureza e da humanidade, outros factos se desco brem e outros problemas se levantam".
... A "base , na Geografia, a paisagem, aquilo que se v e pode reproduzir-se. Porm, (n)a paisagem... alm das suas formas prprias, h um complexo mundo de foras que nela vm inscrever o resultado das suas aces. Por exemplo, o clima de uma regio conhecido por uma srie de elementos meteorolgicos obtidos pela medio de aparelhos registadores. Mas fala mais ao nosso esprito o aspecto da vegetao, que denuncia o grau de calor e humidade desse clima, do que as tabelas dos fenmenos atmosfricos. Ao gegrafo importa sobretudo o que se v, isto , a aco do clima na fisionomia das associaes vegetais, na natureza das culturas, na localizao das povoaes... mas no despreza o clima que se sente atravs de todos estes seus reflexos visveis". "Ora de modo semelhante se deve colo car o problema do mbito da Geografia humana, restrita, para uns, ao estudo das obras humanas materiais e da aco do homem sobre a paisagem, ampliada, para outros, at considerao das formas da cultura... como as crenas, costumes, tradies, sentimentos (que) podem ter expresso material na paisagem... (O. RIBEIRO 1960 pp 66-67).
2. As Representaes Espaciais Este tema considerado hoje fundamental em Geografia susci
tando numerosos estudos que focam uma grande diversidade de aspectos e problemas.
2.1. Diferentes Perspectivas. A perspectiva ambientalista desenvol- veu-se na geografia anglo-saxnica e americana na dcada de 60, incidindo especificamente no tema do ambiente, tal como percep cionado, e atendendo, nomeadamente, reaco humana perante as cheias, as secas e outros fenmenos inesperados com que a sociedade se confronta. Outro objectivo em destaque a qualificao doambiente no espao construdo, considerando os valores normativos de bem-estar e de qualidade de vida no espao urbano do ponto de vista dos habitantes urbanos.
A perspectiva das identidades regionais evidenciou-se em Franaonde havia uma forte tradio de estudos regionais desenvolvida a partir da Escola de Geografia francesa nas primeiras dcadas deste sculo. Teve como principal preocupao as identidades regionais 104
Representaes Espaciais em Geografia
reconhecidas atravs da relao-associao entre a geografia fsica e a geografia humana, admitindo a capacidade de adaptao, aco e transformao exercida pelos grupos humanos, que configurada na noo de meio (dos lugares habitados) e da paisagem. Mais recente mente atendeu a uma multiplicidade de factores, como o conhecimen to, a comunicao, o comportamento, a cultura, para analisar as iden tidades forjadas na regio como espao vivido atravs de experincias quotidianas ou de contactos, comunicao ou imagem.
No s na Frana e na Alemanha, como na geografia anglo-sax- nica e americana, verifica-se hoje um grande interesse por estudos que incidem no significado da paisagem e do lugar, na importncia da cultura e da memria, na iniciativa, deciso e comportamentos que influenciam o grau de dinamismo da regio, ou seja, o carcter da evoluo na continuidade ou na mudana, que evidenciado de modo diferente e em contextos territorialmente circunscritos, esboando-se a partir desta perspectiva uma "nova" geografia regional.
de destacar ainda a perspectiva fenomenolgica que insiste na experincia, na conscincia, na intencionalidade do sujeito, em oposi o s perspectivas normativas. Atende relao emptica entre o sujeito e o espao, ao sentido do espao atravs das experincias vivi das, individuais e subjectivas, e ao carcter simblico.
A tendncia principal da geografia das representaes espaciais considerar como a aco e a experincia do homem indissocivel das suas imagens mentais e como estas influenciam as suas prticas que, por sua vez, vo modificar o seu modo de viver e, portanto, o espao. um contributo importante para o estudo em profundidade das relaes entre o homem e o espao atravs das representaes mentais e do imaginrio, pretendendo-se assim ultrapassar as anlises morfolgicas e funcionalistas do espao e introduzir o carcter sim blico na interpretao das prticas quotidianas no espao e no ter ritrio.
2.2. O Espao Vivido, o Sentido do Lugar e da Paisagem. A geografia humanista que valoriza as representaes espaciais rejeita a diviso rgida entre o mundo objectivo exterior e o mundo subjectivo pois que a coerncia do mundo se relaciona com os nossos conceitos organiza dores e percepcionada consoante a nossa conscincia; neste sentido o sujeito est implicado no processo de conhecimento do espao e no h separao entre factos e valores.
O espao vivido a base espacio-temporal e cultural da experin cia quotidiana. A importncia e significado da experincia e da me-
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mria na vivncia humana e social no espao depende do imaginrio e de conceitos subjectivos da apreenso simblica do espao. H um dualismo, uma dialctica fundamental da experincia humana no espao e no meio em termos de exterioridade-interioridade.
As representaes espaciais esto relacionadas com sistemas de valorizao e de identificao em relao ao espao vivido interiori zado, que explicam as sensibilidades s paisagens, o que em termos globais referido como sentido do lugar (Sense of place, Y. TUAN, 1974 e 1977, J. EYLES, 1985).
O sentido do lugar uma relao de familiaridade e de empatia acompanhada da atribuio de valores que significam uma topofilia ou ligao afectiva dos indivduos ao meio de vida e ao lugar (Y. TUAN 1974, 1977).
A paisagem observada atravs da nossa viso provoca uma avaliao ou apreciao esttica mas, alm disso, a paisagem repre senta um espao de vivncia apreendido com um horizonte definido mas com forte relao de identificao. Por isso, frequente a cono tao de paisagem com lugar. Os acontecimentos, as experincias humanas so transpostas e sobrepostas nas paisagens que reflectem e reforam a nossa identidade, individual, colectiva ou mesmo nacional.
A rea em que investiga para o gegrafo uma realidade que procura conhecer atravs de mtodos de observao e de sistematiza o da informao. Imbudo de uma certa sensibilidade esttica e de uma noo de sistema de valores conotados com a aco humana, apreende ao mesmo tempo o sentido da representao do espao na' paisagem que observa. Dificilmente se encontrar algum que esteja em melhores condies para reconhecer a relao entre a Sociedade e o Espao, quer no respeitante ao patrimnio natural ou construdo, quer quanto ao significado das lgicas espaciais e do sentido do lugar! reproduzidos na paisagem por aco humana, individual ou colectiva! e da sociedade na organizao do territrio.
2.3. A Paisagem como Representao Espacial e as relaes entre o significante e o significado. A paisagem pode designar dois tipos de realidades. As realidades materiais so constitudas por elementos naturais, como os traos de relevo - falsias, colinas rochosas, decli ves de terreno - ou criadas pelo homem - sebes, sistemas de irrigao e de drenagem, terraos cultivados, construes. As realidades imate riais revelam-se pela percepo, esttica e mental: so muito impor- 106
Representaes Espaciais em Geografia
tantes porque condicionam a ideia que as pessoas formam sobre as
qualidades do espao que se apresenta sob os seus olhos. Desde h muito tempo que a institucionalizao da cincia geo
grfica foi afirmada, realando como seu objectivo essencial o estudo da paisagem e enunciando ao mesmo tempo o princpio metodolgico da observao a partir da "paisagem humanizada" (O. RIBEIRO, 1960).
Esta atitude actualmente reforada por alguns gegrafos que insistem nesse objectivo e mediante uma anlise e interpretao ampla e diversificada: a paisagem uma aparncia e uma representao, ou seja, um conjunto de objectos visveis, percepcionados pelo sujeito atravs dos seus prprios filtros, preferncias e fins. Atribui-se a maior importncia paisagem percepcionada, admitindo-se, quanto aos seus elementos que j existiam antes de se exercer a aco huma na, que so componentes da paisagem desde que esta percepciona da: s a representao os integra como paisagem.
As representaes so variveis segundo as sociedades e as pes soas, as culturas e os modos de vida.
Os gegrafos que defendem a importncia da geografia cultural focam a paisagem segundo uma perspectiva diferente dos que aten diam a uma paisagem objectiva e aos elementos materiais que a com punham. Contrapem outra atitude que considera a paisagem como representao. Neste sentido a paisagem plena de valores, uns de conotao generalizada e outros especficos de culturas, classes, gru pos ou pessoas. Tem um valor de uso, suscitando prticas sociais, facultando referncias e mesmo o sentido de familiaridade com os
lugares e at o valor afectivo ao patrimnio. Tem tambm um valor de troca quando se apresenta como impressionante atributo privilegiado de uma residncia que se vende a elevado preo. H tambm as paisa gens simblicas que evocam uma identidade nacional, regional ou local, atravs da imagem de um estereotipo que tanto pode ser um monumento como uma forma de relevo impressionante.
Na leitura da paisagem ressaltam sinais que no foram criados voluntariamente como expresso de um projecto mas so o resultado de uma multiplicidade de aces humanas. Trata-se de atender tanto s representaes como aos seus elementos materiais, considerando a paisagem como produto da prtica e da aco quotidiana que prpria da organizao da sociedade, e reconhecendo indcios das estruturas econmicas que esto associadas paisagem que se revela. Assim, a paisagem como conjunto de indicadores diz muito sobre a sociedade que a produziu mas no de forma linear sem ambiguidades: alguns
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indicadores esto apagados ou so remanescentes, enquanto outros so polisnicos e traduzem processos diferentes. Por isso, a paisagem no um simples reflexo.
A paisagem corresponde a uma realidade complexa, o que no significa fluida. Tem uma importante componente subjectiva que no se presta a estatsticas e classificaes, maneira como a analisam os naturalistas ou os engenheiros.
O aspecto subjectivo da paisagem pode ser um suporte de aco permitindo suscitar verdadeiras dinmicas. H, pois, duas atitudes perante a paisagem. A primeira consiste em considerar que os elemen tos perceptveis das paisagens resultam de actividades econmicas e sociais que a se exercem como reflexo de uma sociedade que utiliza tcnicas agrcolas ou industriais ou redes de comunicao; esta con cepo da paisagem considerada "mecanicista" opondo-se a qualquer tentativa de aco e modificao. A segunda atitude consiste em pensar que a paisagem representa um conjunto de signos que so reflexo de uma realidade complexa; o conjunto de signos visuais de uma paisagem forma uma linguagem de que se substimou, durante muito tempo, a sua fora de incitao, ou seja, o poder de influenciar iniciativas diversas.
2.4. As paisagens, as lgicas espaciais e as modificaes do territrio. A paisagem rural apresenta-se com grande complexidade, modelada por um tempo longo, por geraes sucessivas que procuraram tirar partido das possibilidades proporcionadas pela parcela de terreno, a qualidade do solo, as vantagens da exposio, a gua disponvel ou as manchas da vegetao. A diversidade das paisagens grande e a cada uma delas corresponde um estilo de vida que se expressa na forma das parcelas, na arquitectura, na organizao das aldeias. Os actores e agentes primordiais foram as comunidades rurais, embora depois se sobrepusessem as polticas do Estado, de ordenamento agrrio ou de fomento agrcola e, mais modernamente, as polticas emanadas de organizaes transnacionais, como a Unio Europeia com objectivos de reduo selectiva da produo agrcola e, portanto, da rea cultiva da, suscitando como alternativa para as reas rurais marginais outro tipo de uso para o turismo, a floresta ou a conservao da paisagem em Parques e Reservas Naturais.
A noo de paisagem engloba no s o campo como a cidade. Num mundo em que a mobilidade crescente e os citadinos se deslo cam frequentemente ao campo por terem a a sua residncia, possu-
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rem terras ou por motivos de lazer, no possvel tratar o mundo rural independentemente do mundo urbano e inversamente. A globalizao do espao considerada nos problemas actuais do ordenamento do territrio.
A paisagem urbana apresenta-se com aspectos especficos e conotaes prprias. a imagem de um espao construdo pelo homem num territrio de vida de relao e aco em funo das suas necessidades econmicas e sociais, das suas heranas culturais e dos elementos do meio que influenciaram o stio original. Para alm das comunidades de habitantes com relaes de vizinhana, outros agen tes intervieram na modelao da paisagem urbana. Os empresrios, actuando individualmente ou atravs de sociedades de empreendimen tos imobilirios, exerceram forte influncia, tirando partido do valor de troca elevado proporcionado nos locais com uma posio estratgi ca, junto a um rio navegvel, a uma linha de caminho de ferro, a gran des artrias de circulao, ou nos lugares centrais de elevada aces sibilidade facultada pela disposio radial das vias de comunicao. A aco do Estado como factor poderoso da expanso da cidade teve tambm reflexos importantes patentes na paisagem urbana. O desen volvimento da cidade foi incrementado com a centralizao do poder do Estado, ao mesmo tempo que o planeamento urbano assumia importncia no crescimento da capital; o apoio do Estado permitiu a instaurao de novos espaos urbanos e o planeamento, propiciando o ordenamento do espao, favoreceu processos de especulao imobi liria que se traduziram na transformao dos arredores da cidade em subrbios residenciais, ao mesmo tempo que se alargava a renovao urbana no centro da cidade para intensificar o uso e o valor do solo urbano com a localizao concentrada de estabelecimentos de comr cio e servios. Na paisagem urbana denotam-se claramente os sinais de interveno dos diferentes agentes, quer nos contrastes, quer nos traados e silhuetas, quer nas fachadas dos edifcios.
A cidade, alm da qualidade visvel do espao construdo apre ciado na paisagem, representa experincias vividas e modos de rela o entre os habitantes, diferentes graus de mobilidade no espao e distintas lgicas espaciais. Compreender a cidade , pois, compreen der o que ela conota para os indivduos e vice-versa, ou seja, o que eles projectam nela, o sentido que dela tm e que modifica as suas ati tudes e comportamentos em relao a ela.
A primeira etapa da anlise do espao urbano e sempre foi a descoberta da paisagem urbana que conduz a reflectir sobre a percep-
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o espontnea da paisagem, descobrindo a nossa relao com o meio urbano e as representaes que da emanam.
Depois h o descodificar da organizao espacial global da cida de, para identificar os componentes consoante a maneira como
apreendemos esse meio e as valorizaes de que portador. Reconhe- ce-se ento a estrutura da cidade tal como ns a representamos.
Um dos primeiros autores a filtrar a imagem da cidade foi K. Lynch (1960) que distinguiu assim uma tipologia de elementos da estrutura urbana:
eixos estruturantes ns de confluncia e de concentrao entre os eixos limites e discontinuidades
propriedades simblicas - centralidade e marginalidade, bairros ricos e bairros pobres
propriedades projectivas e temporais - reas e centros histricos, faixas modernas, renovao urbana
propriedades funcionais - funes e relao com formas cons trudas.
A paisagem industrial muito diversificada pois que a localizao da indstria tem uma ubiquidade crescente e est cada vez mais livre ("footloose") de factores determinantes, como foram a acessibilidade por vias navegveis ou ao longo de linhas de caminho de ferro e a proximidade de recursos naturais como a floresta ou as riquezas mine rais do sub-solo.
Os espaos industriais devem-se principalmente iniciativa dos empresrios: os de pequenos capitais e de origem local ou os homens de negcios e grandes capitalistas que organizam empresas de vulto que persistem frequentemente ao longo de vrias geraes constituin do grandes dinastias com actividades ramificadas em diversos secto res da economia.
Intervm tambm a aco do Estado, pois que, se, de facto, as aglomeraes industriais devidas ao investimento pblico ou a socie dades mistas so pouco numerosas, a influncia do Estado na locali
zao e desenvolvimento de indstrias tem sido importante, mediante aces indirectas ou supletivas e nomeadamente: a regulamentao legislativa em vrios domnios; a formulao de polticas incidindo na actividade econmica, nas relaes de trabalho, nos nveis de salrios e de segurana social, na formao profissional e na criao de emprego e regulao dos mercados de trabalho; e ainda pela definio e implementao de planos de desenvolvimento sectorial e regional.
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As paisagens industriais so de uma grande polisemia, distinguin- do-se primeira vista as concentraes industriais e as aglomeraes industriais ou os complexos industriais, assim como as paisagens de indstria difusa. Esto hoje afastadas as teorias que as interpretavam com base em critrios estritamente econmicos admitindo que estes orientavam a aco dos empresrios. A viragem epistemolgica e metodolgica para as interpretaes de base fenomenolgica e a partir dos comportamentos individuais, em rede ou por grupos e tipos, inci diu tambm no estudo do espao e da paisagem industrial e com parti cular intensidade por ter sido persistente e unilateralmente preponde rante, durante muito tempo, a influncia das teorias macroeconmicas e microeconmicas, baseadas em postulados tericos racionalistas e abstractos.
2.5. A paisagem industrial diversificada: influncia de factores econmicos de localizao ou distintas lgicas espaciais e representaes do territrio de diferentes indivduos ou grupos sociais? Quando se atende s decises de localizao no espao, no so as caractersticas objec tivas do espao que importam mas as caractersticas percepcionadas que influenciam as relaes do homem no espao, ou seja, as suas lgicas espaciais consoante a imagem que o homem tem do espao. Conta particularmente a experincia individual, de modo que cada um tem do espao uma imagem especfica em que os seus componentes se revestem de significaes particulares. E difcil conhecer o proces so de construo da imagem e as relaes entre o significante e o sig nificado mas verifica-se que o indivduo e o empresrio decidem a localizao da sua actividade em funo da informao que recebem, no estando esta conotada com o meio ou o espao objectivo que distinto do espao e meio percepcionado: nem todos os sinais so recebidos; passam por um filtro perceptual de modo que, num primei ro nvel, algumas potencialidades do espao "real" no so ainda reveladas ou no parecem teis ou utilizveis num certo estado de desenvolvimento tcnico ou econmico e s tero significao poste rior; num segundo nvel, o indivduo ou empresrio selecciona, clas sifica, hierarquiza os sinais em funo dos seus gostos, as suas experincias, as suas capacidades e aptides pessoais. O status socio- -econmico, as caractersticas culturais, o nvel de educao, a idade, o grau de aspiraes, a personalidade, a localizao (lugar onde habi ta) so importantes na variao pessoal do esquema e processo de percepo (segundo D. HUFF, 1960). Depois deste segundo crivo que
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muito selectivo, o indivduo dispe de uma imagem residual. Uma codificao final que o cdigo da comunicao perfaz um modelo simplificado do espao em que actua. A percepo do espao vari vel consoante os indivduos ou o tipo e a dimenso da empresa.
A importncia da percepo, da imagem e da representao do espao contrape-se ao critrio do homo oeconomicus racional, substituindo-o pelo critrio de satisfao que origina uma complexida de de atitudes de comportamento e de deciso em que interferem, alm da viso e imagem geogrfica a partir do local de residncia, a faculdade de adaptao a novas condies estruturais ou conjunturais, a memria da experincia passada, a tendncia para a repetio segundo "o mnimo esforo" ou a iniciativa de reaco a estmulos.
Um conceito considerado importante na actuao do empresrio o de horizonte geogrfico que traduz a preferncia pela proximidade
do local onde vive ou onde estabeleceu a primeira empresa, pois que interferem de modo diferente, consoante os lugares e os indivduos, as barreiras das redes de comunicao e as dificuldades de difuso da informao. A relao de proximidade considerada assim um importante factor psicolgico (M. GREENHUT), proporcionando um grau de satisfao ao empresrio. tambm varivel o nvel de aspi raes do empresrio em funo do qual avaliada a "utilidade do lugar" (J. WOLPERT) e o grau de satisfao. A necessidade do empre srio de maior informao e de reformulao de objectivos relaciona- -se com o nvel de aspiraes e dela dependem no s os esforos empreendidos para melhorar a sua actividade como a prontido em reagir a indcios menos favorveis sua actividade. Assim, uma baixa de lucros no provoca sistematicamente o encerramento da empresa e a alternativa por uma localizao mais favorvel, dependendo do limiar de tolerncia ou de satisfao que varia entre os empresrios.
As representaes mentais tm uma forte influncia na deciso de localizao do indivduo ou do empresrio que assume prefern cias espaciais. O papel da "experincia espacial" tem frequentemente um grande peso: no se atende apenas a uma relao de distncia e proximidade fsica mas tambm comunidade da lngua, da cultura e de prticas sociais e, por isso, a proximidade de residncia revela-se um factor importante na escolha da localizao para exercer a activi dade, principalmente quanto aos pequenos empresrios. Toda a deci so de deslocao da empresa envolve a noo de incerteza e risco mas os comportamentos revelam frequentemente reaces habituais, imbudas de empirismo, que tendem minimizao da incerteza,
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Representaes Espaciais em Geografia
optando-se por isso por localizaes conhecidas que so as mais prximas ou as mais familiares salientadas nas representaes mentais do espao. A reduo da incerteza resulta mais de reaces empricas que influenciam o comportamento: frequente a repetio de um comportamento anterior conhecido pela experincia passada de modo que o indivduo ou empresrio manifesta preferncia por um lugar prximo da residncia ou da sua primeira empresa; mesmo quando a mudana inevitvel, relocaliza-se o mais perto possvel, para no romper os laos com o meio, o que equivale a reduzir a incerteza porque se dispe de um melhor conhecimento pessoal e de informa o sobre o meio onde se teve experincia concreta. Outro factor importante a imitao que decorre frequentemente nas manchas de indstria difusa, em que uma empresa com um papel piloto suscitou a organizao de outras pequenas empresas que vieram localizar-se na proximidade.
O horizonte geogrfico e o sentido do lugar variam entre os indivduos e entre os empresrios pois que interferem no s o meio geogrfico e as barreiras de informao e comunicao como tambm o status socio-econmico, o grau de instruo, a idade, a experincia e a memria. Ser, no entanto, o conceito de utilidade e satisfao apenas importante para o pequeno empresrio isolado ou justifica tambm a aco e deciso do grande empresrio, ainda que com outro alcance, diferente significao e significado? Para um industrial de uma pequena cidade que pretende construir uma fbrica ou empreen der uma actividade produtiva orientada para o mercado, o seu hori zonte geogrfico limita-se frequentemente aos limites do concelho ou da regio onde nasceu, viveu e donde no pensa sair. As grandes con centraes industriais que so constitudas por empresas de mdia e grande dimenso no configuram tambm o imperativo de minimizar os riscos e a incerteza? Resultam da repetio sucessiva de localiza o de empreendimentos que se revelaram anteriormente satisfatrias e rendveis e reflectindo, portanto, a deciso de instalar a fbrica numa rea conhecida, imitando outros empresrios, ou de alargar o empreendimento expandindo a fbrica no mesmo lugar. A industriali zao difusa evidencia-se na paisagem como uma malha de pequenas empresas independentes mas com relaes de proximidade; no reve lam imperativos de concentrao mas formas de aglomerao em mancha difusa de malha larga que sucessivamente se alarga e se difunde ao longo de um vale ou de uma via de comunicao. A imita o foi aqui um factor de localizao mas tambm preponderaram a
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necessidade de relaes de complementaridade e mesmo de interaco e troca de semi-produtos e de informao, que so propiciadas e faci litadas pela proximidade.
Mesmo num espao alargado pela extenso e intensidade dos sistemas de transportes, comunicao e informao, como o da Europa do Mercado Comum, as relaes de proximidade e o horizon te geogrfico no deixam de exercer uma influncia importante na organizao da actividade econmica como a indstria.
Os industriais ingleses que se implantaram em Frana comea ram por se instalar de preferncia nos bordos da Mancha, enquanto os empresrios alemes preferiram a Alscia. Numa segunda fase os comportamentos dos investidores industriais estrangeiros foram mais diversificadas, optando por localizaes que no se revelam diferentes das manifestadas pelos industriais franceses e a geografia industrial da Frana modificou-se.
Na Europa a instalao de novas e modernas infra-estruturas rodovirias que constituem grandes eixos de circulao transfronteiri a e transnacional, segundo os objectivos da Unio Europeia, suscitou a localizao de empresas industriais multinacionais ao longo dessas vias. No entanto, alm desta rede de eixos, persiste e aumenta a trama polinucleada constituda pelas cidades industriais, como Lyon, onde se aglomeram pequenas, mdias e at grandes indstrias criadas por empresrios de origem e viso local que aproveitam sinergias ou imi tao devidas tradio industrial local. Principalmente quanto aos pequenos e mdios empresrios pouco frequente a preferncia espa cial e a atraco nas decises de localizao pelas grandes vias estru turantes do espao europeu transnacional. Assim, mesmo num espao em que a mobilidade e a difuso da informao foram incrementadas, as representaes espaciais so diferentes, assim como as lgicas espa ciais e os modos de modificao do territrio.
Em Portugal tm persistido diferenciaes regionais nos modos e formas de organizao do territrio, nomeadamente entre o Norte e o Sul, o Litoral e o Interior. No se tm verificado, de facto, grandes alteraes nos padres e ao interrogarmo-nos sobre esta questo no podemos deixar de atender aos factores de deciso e aco que se geram e se inscrevem a nvel individual e local articulados com os conceitos e critrios de horizonte geogrfico e meio geogrfico.
O Complexo Industrial do Barreiro denota bem a aco de um empresrio de vulto, Alfredo da Silva, que a partir de 1907 deslocou a sua primeira empresa localizada em Alcntara, instalando uma con-
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Representaes Espaciais em Geografia
centrao industrial moderna que aproveitava as vantagens de um stio favorvel na margem sul do esturio do Tejo; houve uma expanso progressiva por vrias fases, alargando-se o espao ocupado ao longo do cais do Barreiro e mesmo at ao Lavradio; construram-se novas pontes e, em meados da dcada de 50, o porto que servia o complexo industrial do Barreiro passou a ser o mais importante em tonelagem movimentada, a seguir ao de Lisboa e de Leixes. Entretanto, cons truram-se bairros operrios junto s antigas fbricas mas a cidade do Barreiro cresceria depois para Sul do complexo industrial at muito longe do porto, pela aco de empresas do sector imobilirio que construram habitaes em prdios de elevada altura, tornando-se a cidade do Barreiro num dormitrio da periferia de Lisboa.
Mudou o Tempo e o Modo. Est actualmente em expanso um Parque de Cincia e Tecnologia em Oeiras que dever congregar pode rosas instituies pblicas, para-pblicas e privadas num megaprojec- to patrocinado pelo poder poltico e segundo um desenho apropriado: no Tagus Park atribuiu-se uma posio central s actividades de I&D, ncleo que circundado pela rea reservada ao Ensino e Formao; dever estender-se longitudinalmente a faixa destinada ao sector Em presarial e as franjas limtrofes foram concebidas como reas Verdes.
Entretanto, a industrializao em meio rural ou semi-rural expan- de-se sob a forma de Industrializao Difusa por iniciativa de agentes econmicos locais com capitais e poupanas de origem local e fami liar. No surpreende, portanto, que as redes da Indstria Difusa tivessem crescido no Norte Litoral e no Centro Litoral com destaque para o Vale do Ave, concelhos de Paredes, Lousada e Felgueiras, con celhos de Vila da Feira, S. Joo da Madeira e Oliveira de Azemis, concelhos de Marinha Grande, Leiria e Alcobaa. Organizaram-se de forma diferente no espao e no tempo, em distintos meios e horizontes
geogrficos, com diferentes razes histricas, tradies e memrias. Tm caractersticas em comum e em especial fortes relaes de proximidade: no s entre as fbricas mas tambm entre o estabeleci mento industrial e a habitao; a contiguidade do espao rural outro aspecto caracterstico, de tal modo que suscita problemas quanto delimitao entre o que urbano e rural e questes complexas de ordenamento territorial, nomeadamente quanto programao e implementao de infra-estruturas no s da rede viria como da rede de saneamento bsico e de equipamentos colectivos.
clara a tendncia para maior polisemia de paisagens industriais. Como objecto de estudo do gegrafo e considerando-as como repre sentaes do espao, no podemos deixar de nos questionar sobre as
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suas significaes e significado... Reforo da centralizao do capital ou disseminao de iniciativas de base local enraizadas na tradio e incentivadas com objectivos de complementaridade e pluriactividade?
Objectividade e Subjectividade na Representao e Lgica Espacial. A dialctica entre o especfico - local ou regional - e o geral, entre o individual e o colectivo ou social, entre o contexto particular e a estrutura, entre o subjectivo e o objectivo, uma questo sempre pre sente na geografia. O problema da perspectiva constante no conhe cimento e estudo geogrfico, com maior nfase modernamente quanto ao visvel e, especificamente, paisagem em que a antinomia objecti vo - subjectivo est posta de lado.
"Nem o subjectivo deixa de se expor em regras objectivas, nem o racionalismo da espacialidade, a construo desta, se pode desligar do factor individual, acidental ou arbitrrio" (A. MARQUES, 1993, p. 17). "Assim aparece-nos o perspectivismo como uma epistemologia apri sionada aos supostos de uma filosofia da representao... e da objec tividade como plo ou antpoda necessrio da subjectividade de novo tipo" (p. 18). "No se trata pois, quando se fala em perspectiva ou perspectivismo, de uma arbitrariedade sem regras expostas ou expo- nveis objectivamente... mas, por outro lado, torna o fenmeno con tingente e dependente do ser humano, na verdade do individual: que estas regras referem-se s condies psicolgicas e fsicas da impres so visual e o modo como elas produzem efeito determinado pela posio escolhida livremente de um ponto de vista subjectivo". "Esta uma solidariedade, a da subjectividade e a das regras que a estrutu
ram, que no se ir perder e condiciona todas as questes centrais que classicamente esto ligadas ao perspectivismo como a verdade, o relativismo ou a objectividade, quer esta assente em supostos prag mticos, quer num neo-aprionismo" (p.19).
"O abandono da metafsica realista um passo importante, pois no existe algo que seja como "um ponto de vista de nenhum stio"." Mas a seguir dever-se- reconhecer que o quadro cognitivo, sem referncia no seu exterior que funcione como o fundamento ltimo da verdade ou da objectividade, ter de assentar num outro princpio de organizao" (p.48).
Remontando a Kant na Crtica da Razo Pura, salienta-se a "representao mediadora", a qual "ter de ser pura (sem algo de emprico) e por isso de um lado intelectual, por outro lado sensvel". "Esta actividade como funo transcendental do sujeito ("uma arte
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escondida nas profundezas da alma humana") atribui simultaneamente aos nossos conceitos, por ocasio da sua aplicao e at queles que esto mais desviados do emprico, uma determinada fora cognitiva. Deste modo os conceitos recebem uma sensibilizao especial e ganham uma inevitvel capacidade cognitiva e interpretativa" (A. MARQUES, 1993, p. 57).
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Abstract
The analysis of space related to a positivist approach was influenced by methods of economies that first developped theories of spatial analysis grounded on homo oeconomicus. This conception is in fact today very reduetive and thus criticized so that a more comprehensive approach is inevitable and enlarged considering not only economic variables but also social and cultural components, focusing spatial reprsentations. As we look far back we are aware that spatial reprsentations have been regarded as very important in Geography.
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Representaes Espaciais em Geografia
Resume
Lanalyse de 1'espace relie a une perspective positiviste a t influencie par la methodologie des conomistes qui ont t les premieis a developper une thorie de 1'analyse de 1'espace sur la base de 1'homo oeconomicus. Cette conception se revele aujourd'hui tres reduetive et donc critique et substitue par une perspective alarge non seulement aux variables conomiques mais aussi aux facteurs sociaux et culturels, oriente vers les reprsentations spatiales. A cet gard, on pcut constater que depuis long temps les reprsentations spatiales ontt matrises par la Geographie.
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